As Lavadeiras

Depois de o Grupo Domo investir nos primeiros anos de sua criação em temas mais densos, havia chegado o momento de experimentar outros rumos, ares renovados que trazem ao elenco a oportunidade de conhecer outras formas de interpretação e de criação. Acreditamos que o bom ator deva se expor a diversidade de linguagens, sobretudo no que diz respeito às vertentes centrais do teatro: o drama e a comédia. Para se acabar com certo mito divulgado nos recantos teatrais de que quem produz um bom drama não é capaz de eficiência na comédia, e vice-versa, partimos para a montagem do espetáculo “As Lavadeiras”. Com argumento de Airton Rodrigues e Hélio Sales, André Garcia e eles escreveram “As Lavadeiras”, numa contramão das comédias normalmente encenadas em Brasília, baseadas em esquetes curtas de sustentação dos estereótipos. “As Lavadeiras”, comédia de mais de duas horas de duração, não se esgota nos tipos pela aparência (apesar de explorar também esse aspecto), e investe num aprofundamento da comicidade, um estudo sobre seu ritmo, e na dramatização de uma estória mais completa em termos de roteiro. A busca pela gargalhada em si pode acabar resultando no não riso, e deprimir os atores mais desavisados. Por isso a comicidade foi buscada em diversos pontos, com diferentes objetivos, não necessariamente o de que o público deva passar duas horas gargalhando. Era preciso encontrar uma curva, uma variação de ritmos e de tempos que conduzissem do repouso ao riso e de volta ao repouso, mantendo assim o foco de atenção num enredo que se desenvolve, e conta uma trajetória com bom humor.

O texto em si trata da vida de duas amigas lavadeiras, Luzanira e Expedita, que habitam uma cidade imaginária do sertão nordestino, e que vivem as agruras e alegrias de suas vidas simples e interioranas, e mesmo com as dificuldades impostas pela necessidade não perdem o bom humor. Nas estórias simples e na inter-relação com os habitantes da cidadezinha, as duas vão revelando vários aspectos de suas vidas (e que nos dão, como atores, uma excelente oportunidade de criar personas, situações e ritmos variados de comédia). Os aspectos difíceis do dia a dia no sertão, as dores de cabeça com os maridos e filhos, as fofocas das vidas dos vizinhos, os temores de mal assombros e crendices de toda sorte vão compondo o quadro da vida destas duas mulheres, que não se deixam vencer pelo fatalismo, sacodem a poeira e riem juntas, seguindo a vida com amor e felicidade. A reviravolta central se dá com o retorno de Mary Jô, uma macumbeira que foi expulsa da cidade há muitos anos, e agora retorna com novidades e mandingas pra desordenar a vida do povoado e mexer com os maridos alheios…

Preparação

Os atores da peça passaram também por uma intensa preparação física, visto que cada ator deveria interpretar duas personagens, o que acarreta troca de roupas, mudança de climas, e um trabalho frenético também nos bastidores. Aulas diárias de expressão corporal e vocal fizeram parte do trabalho, assim como o estudo dos sotaques e das inflexões de cada personagem. Aqui o processo de leitura dramática foi constante, conferindo o crescimento de um entendimento primário, passando a um mais profundo, de cada entonação, de cada cena. Para tanto os atores também fizeram uma viagem ao interior da Bahia e a Salvador, para se colocarem como observadores de trejeitos, de sotaques, de hábitos e expressões idiomáticas características e quase endêmicas. Hélio Sales foi de suma importância neste projeto, pois foi quem abriu as portas do imaginário vivido pelas personagens, além de fluir em cena ao interpretar Expedita. A vida de amigos e conhecidos, e os famosos “causos” que ouvimos e coletamos foram se somando para a finalização do texto. Também trabalhos fotográficos foram realizados em estúdio e em locação aberta, para fomentar o universo íntimo de cada personagem. Ainda antes mesmo da finalização do texto e da montagem, apresentou-se um trecho da peça num festival de esquetes, onde recebeu do SESC o prêmio do Júri Popular.

Cenários, Figurinos, Iluminação e Maquiagem

Nas duas primeiras peças, o Grupo Domo investiu consideravelmente no desenvolvimento destas áreas. Agora, em “As Lavadeiras”, a ordem do dia era o aprimoramento do ator, ele quase só em cena, recursos apenas o mínimo possível. O cenário era composto basicamente pelas três casinhas das personagens principais (que incluía Januária, a mais idosa das três), que delimitavam uma área da cidade (em boa parte construída na dramaturgia, no texto e na encenação). De suas janelas elas viam o mundo. O restante das locações eram em sua grande maioria criadas a partir da imaginação, da sugestionabilidade, e de pequenos objetos, cabendo aos atores a difícil tarefa de materializar no imaginário da platéia a vívida impressão de “verem” o que elas viam.

O figurino, muito básico, não foi especificamente confeccionado, mas escolhido e comprado em feiras de Salvador e de cidades satélites de Brasília, assim como os adereços. Cada ator providenciou suas perucas e seu próprio figurino a partir da evolução dos trabalhos de montagem. Assim cada um pôde participar ativamente, compondo os elementos que caracterizavam e revelavam a estirpe de cada personagem. A maquiagem, já influenciada pelos conhecimentos adquiridos por André Garcia e Helio Sales no curso com Jesus Vivas, eram assim, vivas, e bem exageradas, compondo um quadro de cores contrastantes e vibrantes, que delineavam a personalidade de cada um. Destaque aqui para Themis Lobato, atriz convidada que estreou nos papéis de Januária/Mary Jô, pois tinha trocas de peruca e roupas complicadas visto que possuíam próteses e enchimentos.

A iluminação também era muito básica, baseada em ocres, vermelhos e azuis, extremos de quente e frio, ressaltando o clima da região, o calor do dia e o mistério da noite.

Depois de várias temporadas, em anos diferentes, esta peça foi de muita importância para o Grupo, pois ajudou a expandir nossos horizontes de encenação, mas mantendo o fio do aprofundamento, criando uma comédia despretensiosa, mas que agradou uma multidão de platéias. O Grupo ainda fez performances baseadas em “As Lavadeiras” em Londres, resultando em divertidas cenas no centro da cidade, com as personagens falando o “Nordestês”, uma singela e bem humorada mistura de nordestino com inglês.

 

Clipping

 

Imagens