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Preparação Corporal – Parte 2 – Aquecimento

Aquecimento

Como disse, o aquecimento é a geração de calor no corpo, o aumento da temperatura corporal através de atividades físicas que proporcionam velocidade de metabolismo adequada a esse trabalho, mais oxigenação para os tecidos, gerando mais flexibilidade. Assim o aquecimento previne lesões e deixa o corpo mais disponível para o movimento e o trabalho com posturas e fluidez, texturas de movimento. Ou seja, é a parte mais básica dos aspectos da atividade física que desenvolvemos, aquela que vem em primeiro lugar para nos preparar para o movimento com todas as suas possibilidades, alongamento, tensões, contrações, exercícios. Além disso, o aquecimento ativa os sistemas cardiovascular e pulmonar, e por isso mesmo nos deixa em estado de prontidão física, deixando ligamentos e tendões mais elásticos, e as articulações mais preparadas para esforço.

No caso do Grupo Domo, por eu mesmo ter passado por formação em dança clássica e contemporânea, entendo hoje um pouco mais do papel importante desse trabalho de ativação corporal. E recuperar essas informações, aplicando e experimentando, sentindo em si mesmo e acompanhando o desenvolvimento de outros, examinando as próprias reações, a efetividade ou não, a adequação, isso tudo tem se tornado muito próspero em nosso entendimento das possibilidades e mecânica das ações físicas, e isso interferirá diretamente na presença em cena.  Para muitos poderá parecer preciosismo gastar tanto tempo pensando nesse trabalho corporal e esmiuçando seus detalhes, mas nós aqui achamos que vale apena, porque são premissas importantes que geralmente são tratadas como banalidades. E cada coisa no seu momento. O momento de abordar outros aspectos virá mais adiante.

 

Para começar esse momento de aquecimentos, escolhi um número de exercícios que percebi serem muito eficazes, ao longo de anos de trabalho. Apenas 16 exercícios de aquecimento (e depois algumas variações), que acredito abrangem um leque grande de atuação, desde ativação de pequenas partes, até as grandes. Ou seja, tarefas localizadas e gerais. Durante o ensino e a aplicação desses exercícios, pudemos fazer um extenso exame das dificuldades individuais e das pre disponibilidades físicas dos atores (e até alguns aspectos comportamentais, como encaram a si mesmos, como se desafiam), a partir da observância da execução, e do desenvolvimento de cada um ao longo das semanas seguidas de trabalho.

Antes ainda de lhes apresentar alguns exemplos dessas atividades, é importante lembrar que mesmo o foco inicial sendo o aquecimento, há uma inter-relação entre diversos aspectos do trabalho físico em cada atividade isolada. Quero dizer que às vezes um exercício que tem como foco o aquecimento poderá já estar trabalhando, como segmentos secundários, outros elementos, conjuntamente, como o alongamento ou o tônus.

Fizemos estudos com exercícios que envolvem duplas ou grupos (o que importa muito num sentido mais delicado, que é o da coesão entre as pessoas, o prazer de estarem juntos trabalhando, o senso de pertença e de confiança entre os membros do grupo), mas a maior parte deles é de execução individual. Isso porque observamos que importa que cada ator saiba fazer o que precisa, para si, em qualquer situação, e nem sempre podemos contar com outrem no momento exato da necessidade. Vários dos exercícios possuem prolongamentos, graus mais avançados que estão sendo experimentados na medida em que sentimos que o corpo está já mais preparado para receber uma carga mais intensa de trabalho. Percebemos também que mesmo dentro do aquecimento temos qualidades diferentes de exercícios: aqueles estáticos e os de mobilidade.

Sendo assim, apresento-lhes alguns desses exercícios:

01 – Sustento de flexão.  Um exercício incrivelmente simples e extremamente eficaz.  Consiste em permanecer, por certa quantidade de tempo, em posição de flexão, braços alongados sustentando o peso do corpo. Este exercício tem desdobramentos tb, que foram sendo acrescentados na medida em que nos desenvolvíamos em sua execução. Possui o primeiro nível, em que é totalmente estático, causando um aumento da pressão arterial e como coadjuvante a tonificação de diversos grupos musculares pela posição adotada. Num segundo grau, fazemos o mesmo acrescentando uma extensão de alongamento e flexões peitorais para acentuar transições e a capacidade de permanência no exercício ao fazê-lo. E por fim um terceiro grau transfere o esforço a outros músculos, fazendo o mesmo estático só que com a base aberta (braços e pernas mais abertos), aumentando o esforço. Em geral fazemos 3 sequências de cada variação.

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02 – Sustento de meia ponta. Possui dois graus e se consiste em permanecer na meia ponta nos pés, também favorecendo a atenção e o controle de grupos musculares. No primeiro grau permanece-se apenas com a base aberta e a meia ponta com braços estendidos ao lado dos ombros (podendo aqui já apresentar variação de elevação de braços), e no segundo grau, com joelhos flexionados, mantem-se a meia ponta com o tronco deitado sobre os joelhos.

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03 – Impulso giratório sobre base.

Neste exercício, o corpo permanece sob uma base aberta, e troca de direção enquanto a parte superior faz um giro sobre si mesma. Exercício ensinado por Cesário Augusto. Este trabalho desenvolve a precisão, o senso de direção e equilíbrio, a respiração. Seu conjunto aquece e oxigena. Em geral fazemos dez mudanças de direção durante a execução.

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04 – Saltos localizados.

Aqui fazemos saltos no mesmo lugar, partindo de uma base paralela com joelhos levemente flexionados, e daí nos impulsionamos para o alto. Quando houver um estímulo sonoro (que no nosso caso era um bater de palmas) deve-se esforçar para fazer um salto mais alto do que os outros. Num segundo grau, fazemos o mesmo salto partindo de uma base mais aberta, e enquanto saltamos abrimos as pernas para as laterais, com a variação de fazermos também abrindo as pernas frontalmente. Este exercício, apesar de ter algum impacto para joelhos, proporciona um rápido aumento da circulação e do ritmo respiratório.  Fazemos cerca de 15 saltos em cada modalidade, numa sequência de 3 repetições.

05 – Fazer o infinito (ou o 8 deitado).

É basicamente um exercício de coordenação, aquecendo por mobilidade e salto. Pode ser feito no mesmo lugar ou com deslocamento. Consiste-se em transferir o ponto de apoio da base de uma perna para outra enquanto na parte superior um dos braços faz o movimento circular em forma de 8 deitado. Quando no mesmo local costumamos fazer cerca de dez repetições, e no deslocamento mantemos por mais tempo, explorando o espaço e uma eventual música que acompanha a execução. O primeiro em geral pede 3 séries. O segundo depende do tempo aplicado.

06 – Voo em dupla.

Parte do princípio de equilíbrio, trabalhando também o encaixe e a confiança no parceiro de trabalho. Aquece pela sustentação da postura. Consiste-se em um ator fazendo a base, deitado no chão e com braços e pernas servindo de hastes de apoio, para o outro vir por cima e deitar sobre esta base, assim ficando na posição de “voo”. Quem faz a base se esforça para se ajustar ao formato e peso do outro, fazendo força, mas ao mesmo tempo tentando encontrar o ponto do eixo de equilíbrio. Quem está em cima faz o trabalho de ajuste e de controle do peso e do encaixe pela tensão que cria no próprio corpo. Um exercício interessante porque suscita diversos princípios ao mesmo tempo. As mãos servem como o apoio superior, e os pés de quem serve de base se encaixam na articulação coxofemoral de quem será levantado. Num segundo grau as mãos de ambos deverão se soltar deixando apenas o encaixe inferior como ponto de apoio. A quantidade de repetições e a duração dependem da orientação de quem está conduzindo o aquecimento.

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07 – Eagle Cross.

Este exercício me foi ensinado por Rui Horta, da S.O.A.P. Theatre Frankfurt. Bastante abrangente, ele trabalha o senso de equilíbrio, a fluidez do movimento, força muscular, respiração, proporcionando um aquecimento profundo. Consiste-se em fazer um movimento de pendulo nas quatro direções, onde o conjunto harmônico entre o movimento dos braços e das pernas geram empuxos que estendem os membros e permitem o estudo do eixo corporal e das direções no espaço. O nome, eagle, vem de águia, porque a forma de execução traz uma amplitude do corpo que lembra o movimento do voo de um pássaro. Em geral fazemos 3 sequências de 15 repetições. Depois desenvolvemos uma variação deste exercício para o quesito alongamento, que será descrito mais adiante.

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08 – Ciranda.

Este exercício aquece ao mesmo tempo em que envolve seus participantes numa atmosfera de confiança e alegria, puxando o ambiente para um estado amistoso e relaxado, e permitindo que os atores promovam circulação sanguínea e aumento da oxigenação. É simples, baseado nas rodas de ciranda que fazemos quando crianças. Em círculo, de mãos dadas, ou segurando pelos pulsos, inicia-se um movimento circular em que as pernas são trocadas de direção para gerarem o impulso de deslocamento. Deve começar mais lento e com uma maior duração, e assim se vai acelerando. Recomendo este trabalho para se espantar a preguiça de iniciar um trabalho corporal! Recomendo que a duração seja examinada por quem conduz, pra não exaurir, mas também para não deixar que o cansaço faça com que as pessoas soltem as mãos e possam se ferir.

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09 – Bolas.

Outro exercício de mobilidade, que aquece, mas que também focaliza em pontos importantes: atenção, textura de movimento, senso de direção e de utilização do espaço, fluidez de mobilidade. Quando na versão sozinho, cada um pode se aprofundar na percepção das próprias articulações e pontos de apoio. Quando feito em grupo traz a possibilidade do jogo e da brincadeira, que sempre promovem a interação e a aproximação entre aquele grupo de pessoas.

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O segredo é a imaginação. Na primeira parte os atores são levados a visualizar pequenas bolas luminosas e fluidas, e brincam com essa bola deslizando por dentro de si, indo nas articulações e membros, e ai se brinca com a possibilidade de desenhar com seu rastro, movendo a região do corpo onde a “bolinha estiver”. Na segunda parte, o grupo brinca com um jogo de bola, atirando-a de um para o outro, e nisso o condutor do exercício varia o tamanho da bola, o peso, brincando com as capacidades imaginativas e a modulação da postura do corpo em detrimento da proposta.

10 – Chão/Céu.

Em termos de oxigenação e trabalho de interação, este exercício promove aquecimento pelo aumento do ritmo respiratório. Geralmente não deve ser o primeiro do dia, mas feito depois de outros prévios, assim cada um estará mais apto. Apresenta um leve risco de tontura caso uma das pessoas não esteja bem preparada. Em circulo e de mãos dadas, para todos sentirem a conexão entre eles, os atores descem a cabeça frontalmente em direção ao chão soltando todo o ar nos pulmões, e enchem-no novamente ao subir a cabeça novamente em direção ao céu, ou seja, para cima. O grupo deve fazer a coisa de forma coordenada e sentindo tanto a força de apoio em relação aos outros quanto sua própria participação na sustentação da corrente que gera o efeito desejado. Recomendo inicialmente uma sequência de dez descidas e subidas.

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11 – Cruz (Cross) de piso com deslocamento.

Este exercício é leve e um dos bons para se iniciar um trabalho corporal. Demanda atenção, coordenação dos membros, senso de direção. Trabalha a mobilidade no plano baixo e é bom para começar a acordar o corpo. Temos outra versão dele, que envolve alongamento e falaremos adiante na parte oportuna. Com o corpo deitado, peito para cima, joelhos flexionados, deixa-se os joelhos penderem para um lado enquanto a perna oposta ao lado da queda se estende e faz balanço até tocar a mão e voltar, e dai segue-se para o outro lado. Num segundo momento, este exercício possui uma variação em que o corpo forma uma cruz no chão, passando o corpo pelas quatro direções. Simples mas que precisa de dedicação e fluidez. Parte deste exercício me foi ensinado por Giselle Rodrigues.

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12 – Transverso com barra.

O grupo domo tem uma longa pesquisa com a utilização de barras para seu trabalho corporal. Este é o primeiro que mostraremos, e dele muitos outros se desenvolvem. Com o passar do projeto de pesquisa publicaremos mais sobre eles. No transverso, basta o ator se posicionar em frente a uma barra, subir frontalmente e descer o corpo à frente num movimento de pêndulo até chegar à posição horizontal. Aquece pela tensão muscular, necessária para a sustentação da posição. Recomendo três sustentações de pelo menos 20 segundos para começar a se ativar a musculatura.

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13 – Chutes diagonais com deslocamento.

Este exercício me foi inicialmente ensinado por Cesário Augusto. Por trabalhar o deslocamento, a flexibilidade, o equilíbrio e o senso de direção, este exercício simples e direto é muito positivo para o corpo manter um estado de prontidão. Consiste-se em andar na diagonal, jogando-se a perna ao alto e assim trocando a direção do movimento.  Recomendo fazê-lo por pelo menos alguns minutos.

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14 – Círculo de seguir o condutor.

Este exercício me foi inicialmente ensinado por Fernando Villar. Um grupo de um lado da sala, e um condutor de outro. O condutor dirige seus movimentos como quer se utilizando de uma borda imaginaria, e o grupo do lado oposto deve responder aos seus movimentos, procurando imitá-lo, e às vezes fazendo o para o lado contrario, ou espelhadamente. Ou seja, se na versão ao contrario ele vai ao centro, as pessoas se afastam do centro, e se ele anda para a direita o grupo vai para a esquerda. Na versão espelhada se ele vai ao centro o grupo se aproxima, se ele se move para um lado, o grupo acompanha. Ótimo exercício para aquecer quase que imperceptivelmente, pois a atenção está focada mais na abstração do que na concretização de uma técnica. A duração varia muito, depende do grupo, da resistência de todos e da atenção.

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15 – Boneco Bebum.

Exercício simples e divertido, excelente para se acordar o corpo ativando a circulação e ainda contribuindo para um clima leve. Basta procurar tremer todo o corpo em deslocamento, transferindo a atenção para os vários grupos musculares e as várias regiões do corpo, procurando imprimir uma vibração nas áreas trabalhadas. Essa aparente descontração esconde um exercício que trabalha a focalização mental sobre as áreas trabalhadas, a promoção de aquecimento por vibração e respiração, um serio trabalho de equilíbrio e envolvimento pessoal. A duração também depende da condução. Sempre dou risada fazendo isto, o boneco bebum : )

16 – Abdome em Cruz, sustentado (com leque).

Este exercício promove o aquecimento pela sustentação de posturas. Fazemos algumas variações. Na primeira modalidade, sustentamos o tronco e as pernas levemente fora do chão, com o corpo apoiado na coluna lombar, e assim contraindo o abdome fortalecendo as fibras musculares da região, e desenvolvendo força. Na segunda versão fazemos a mesma coisa, mas com o corpo mais elevado e ereto, como um V mais aberto, mantendo o corpo em contato com o chão pelos ísquios. Na terceira versão mantemos o tronco no chão e elevamos as pernas até 90 graus, abrindo-as num alongamento lateral, e depois as trazendo quase o nível do chão num movimento de rotação, e assim reiniciando o ciclo de subir e descer (esse movimento das pernas é o que chamamos de leque). E na quarta versão, fazemos a mesma subida de pernas abrindo-as em leque, e ao alongar, fazemos uma flexão e extensão nos pés, e depois de sustentar sem as mãos por um tempo, sobem-se novamente as pernas para 90 graus, descendo-as a frente e repetindo este movimento de sobe e desce 3 vezes.

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Complicado entender tudo isso? Vejam os vídeos e fotos aqui e nas páginas dos atores : )