Postado em Pesquisa Teatral

Tônus, Movimento sensível e Contato

Continuidade do trabalho corporal – Movimento sensível e Contato

Para falar sobre tonificação importa observar as publicações anteriores. Tônus, a consistência muscular, pode ser desenvolvido de diversas formas. Um músculo tonificado se torna mais forte e por isso mesmo mais torneado. No caso dos trabalhos do grupo a tonificação aconteceu de forma natural, sem que precisássemos recorrer a trabalho com pesos, como os feitos em uma academia por exemplo. Durante o processo de aquecimento e alongamento, o trabalho de tonificação foi parte natural do desenvolvimento físico. Exercícios de sustentação e de esforço direto, além dos que envolviam linhas de movimento aeróbico, criavam este ambiente de trabalho complementar, firmando o desenvolvimento físico neste trinômio “aquecer – alongar – tonificar”. Ao longo dos meses de trabalho, os atores puderam perceber em si mesmos a modificação da consistência muscular, sentindo o corpo mais forte, mais alongado, disponível e também mais firme.

 

Demonstração de alongamento tônico, um dos exemplos onde o trinômio citado acima é aplicado.

 

Assim, tônus, ou seja, uma consistência e força muscular, todos temos, em maior ou menor grau. Mas para os atores aqui importa terem um tônus mais desenvolvido, onde podem encontrar segurança ao realizar tarefas de maior intensidade, com amplitude, tarefas de maior duração em relação a esforço e concentração. Fazendo isto, mantendo o corpo ativo, aquecido e alongado, tonificado, estamos mais aptos a desempenhar trabalhos diversos, podendo sujeitar o corpo a externalizar (mais até do que reproduzir) as formas que necessitamos dentro das especificidades de cada trabalho.

 

Demonstração de uma sequência de barra, que produz tonificação.

 

Depois desta etapa, fomos atrás de um entendimento mais fluido da aplicação das qualidades desenvolvidas na etapa de práticas de exercícios, partindo para outros exercícios mais apurados no sentido de criarem o entendimento necessário a passagem do estado bruto de resultados musculares ao estado mais sutil de dar movimento e vida ao que se alcançou.

 

Demonstração do toque continuado, um exercício que busca exercitar a fluidez e o contato, baseando-se no toque e no trabalho previamente desenvolvido corporalmente nos meses que precederam esta etapa.

 

Isto importa muito porque como já disse anteriormente, nosso trabalho envolve um profundo conhecimento técnico, mas sem haver essa transposição das repetições a um estado mais orgânico de ser e estar, o risco que se corre é engessar estruturas que deveríamos estar tornando mais livres e acessíveis. O corpo somos nós no espaço tridimensional, e temos que ter este cuidado de perceber que as qualidades técnicas e as qualidades sensíveis estão sendo desenvolvidas na mesma substância, em nós, esse conjunto, que tem particularidades, mas pertencem ao mesmo ser. Se tratarmos o corpo como algo coisificado, aparte, esquecemo-nos da rica multiplicidade que está nele, que somos nós mesmos. Para quem se esquece disso, apenas o trabalho técnico parece bastar. Agora, transcendendo esta visão de corpo inferior, mente superior, de corpo culpado e espirito puro, transcendendo essas barreiras impostas por quem gosta de conceituar mais do que vivenciar, a gente percebe que toda nossa herança genética, espiritual, mental, experiencial está, de certo modo, disponível nesta mesma forma integral, o corpo-eu.

Nesta etapa final de estudos corporais percebemos que existem enfim os pontos de conexão abstrata entre o trabalho com o corpo e níveis bem mais profundos de nossa presença, seja no plano psicológico, emocional, mental. Trabalhar e burilar o corpo mexe diretamente com nossa disposição interna também, com nossa criatividade e imaginação, com nossos anseios e desejos. Nossas dificuldades emocionais também aparecem aqui e ali, nossas travas psicológicas, muitas vezes tendo cada pessoa somatizado suas belezas e tragédias na forma de andar e de falar e de se relacionar com os outros e com o mundo. Então não se iludam: trabalhar o corpo é mover toda a estrutura, não há separatividade a não ser aquela que impomos por conceitos.

Aqui não vamos descrever exercício por exercício, mas queremos deixar no ar a questão desta transposição, cada artista e grupo livres para pesquisarem em si mesmos o caminho único pelo qual cada grupo e pessoa podem entender melhor do que se trata. Vamos postar alguns exercícios de contato para exemplificar apenas que o caminho segue, e que as compreensões e resultados são sim muito imateriais nesse plano, apesar de podermos VER o progresso no domínio das ações corporais.

Primeiro vou repostar alguns dos exercícios que envolveram etapas e complementos, e que trabalham os elementos dos quais nos valemos para colocar a prova os efeitos físicos.

Dando prosseguimento e finalizando esta etapa de pesquisa corporal mais direta, e dentro do tempo que tivemos disponível, procuramos experimentar, observar, analisar e disponibilizar aqui no blog uma amostra do que é possível, dentre tantas possibilidades. Com prática, estudo, repetição, criatividade, o trabalho pode, daqui, desenvolver-se em diversas direções, e procuramos cumprir o que prometemos: Revelar o básico de nosso trabalho, como um possível ponto de partida para a experimentação e o desenvolvimento do ator.

Dentro da linha que viemos trabalhando ao longo deste ano, ainda aprimoramos algumas aplicações, e trabalhamos com sequências que emendam os fundamentos da pesquisa, alem de repetir parte do que já vinhamos exercitando e que precisou de mais tempo para se refinar em termos de pratica e entendimento.  O “Eagle Cross” continuou a ser utilizado, proporcionando a sustentação de um trabalho aeróbico, mantendo o vigor do movimento e a continuidade de um trabalho de aquecimento.

 

 

Como alongamento ainda permanecemos fazendo diversos exercícios e pequenas sequências, como alongamento tônico, na barra e com abdominais.

 

 

No campo da tonificação, fizemos diversas investigações. Exercícios como o gancho e o peso imaginários funcionaram muito bem, porque trabalham o aspecto físico da força, mas começam a entrar no campo da importancia da presença e atividade mental durante este desenvolvimento, onde a imaginação já é parte real e um ponto de conexão entre as coisas aprendidas. Nestes exercícios, o ator precisa criar mentalmente o peso ou o apoio que fisicamente não existem, e coloca todo o seu corpo a trabalhar com uma substância que é mental, mas que coloca toda a musculatura e a respiração para trabalhar em uníssono com a capacidade de cada um de dar credibilidade ao que está materializando tridimensionalmente.

 

 

Nesse momento estamos começando o processo de percepção de como o trabalho corporal feito gera efeitos e reações, realizando a transferência natural daquilo que foi alcançado para um outro nível de atividades, que envolvem o movimento, a criatividade, a concentração mental, o esforço do ator em diversas frentes para produzir um estado que faz pontes entre o interior e o exterior de si mesmo. São frutos da capacidade de ampliação do próprio arcabouço de conhecimento físico e de como aplicá-lo. Nem sempre podemos estabelecer uma linha reta e lacônica entre a pratica e o efeito, dizendo que tal exercicio necessariamente foi o que gerou tal resultado em cena, mas pudemos perceber que absorvendo-se o entendimento da utilização correta, e aprendendo a abstrair a técnica, levando-a ao nivel do movimento crivel e natural, cada um pôde sentir a interligação do que foi feito, com a liberdade de se ir alem ao adquirir um preparo mais apurado, apesar de simples. Por isso voltamos aos exercícios das bolas imaginárias e desenhos no espaço, fazendo com que cada ator precise e use sua própria visualização para completar a atividade, que tem aspectos que não são vistos exteriormente, mas que são necessarios para que o que aparece seja o que é. As bolas nos dão dimensão de texturas, de pesos, de controle de planos e de muitas partes do corpo envolvidas para se concretizar. Estabelece também um jogo entre as pessoas, e alegoricamente nos serve de mote para repensarmos em como construimos uma encenação. Acreditamos que na comunicação, no diálogo com o outro, sejam atores seja com a platéia, muita coisa se dá num nível de entendimento que não está visivel porque conta com a inteligencia e a experiência de quem vê, e de quem recebe o que está sendo dito.

 

 

Uma coisa básica mas interessante foi o retorno do estudo da câmera lenta, para que cada um pudesse observar a si mesmo criando esta textura, alterando a percepção da passagemdo tempo e precisando dominar os elementos corporais para se criar a ilusão da desaceleração no controle da velocidade da ação.

 

 

Pela sensibilidade e compreensão mais profunda do ritmo, da adaptação de si mesmo ao que lhe for pedido, e no exercício da auto observancia no espaço, utilizamos um exercício simples e de grande importancia: o encaixe em movimento. Se consiste em apenas andar e entrar no rimo da pessoa que estiver na frente da fila. Cada um entra até que todos estejam andando muito proximos, reproduzindo o movimento que lhe vem a frente, mas procurando naturalizar isso em si mesmo, absorvendo o trabalho de adaptação de seu próprio movimento não como uma imposição, mas como um partícipe, um trecho de uma onda que com ela forma um todo de mar.

 

 

Como preparação para um nível mais consciente e fluido de contato, os atores passaram também por exercícios simples de preparação acrobática, ficando de cabeça pra baixo no exercício da vela ou virando cambalhotas. Assim adiquiriram mais confiança frente ao seu alcance, a percepção de suas capacidades físicas mais aguçadas.

 

 

Depois, já mais confiantes, os trabalhos foram para o campo das duplas e trios, ampliando a noção de espaço e a possibilidade de exploração de todos os elementos vivenciados até este ponto. Novas atividades, como cambalhotas duplas ou apoio extensor foram somados como reforço nesse sentido. O contato e a virada com apoio são também de raiz acrobatica, em seu nível primário, mas que também aumentam a segurança de cada um ao realizar esforço e movimento de maior intensidade e desafio. Por fim o giro, que cria um ambiente de confiança entre os membros do grupo, diverte, e ao mesmo tempo exercita a força, o senso de direção, o ritmo, a fluidez e a noção de espaço.

 

Na fase final, exercícios de pêndulo e os toques sustentado e continuado, que dão um caráter sensível e delicado, produziu um entendimento mais poético da aplicação da disponibilidade física, de cada um para consigo mesmo, e de cada um em contato com o outro e com o espaço e os estímulos.

 

 

O que esperamos aqui é podermos demonstrar um pouco de nossa pesquisa, para abrir horizontes. Ja falamos anteriormente que estamos lidando neste blog com o básico do básico, e as possibilidades são muito vastas, muito mais do que conseguiremos expor aqui. Neste um ano de trabalho estamos destrinchando aspectos que a nós mesmos pareceu interessante, e esperamos que possa servir de luzeiro, de apoio no caminho de cada um que quer se enveredar pelos mistérios de nossa profisão. Pois por mais que revelemos aqui, cada um só conhecerá esses mistérios ao desenvolver em si mesmo o caminho para esse desvelamento. Em breve entrará no ar a próxima publicação, que trata da Voz : )